Roberto Cavalcanti é empresário e diretor-presidente do Sistema Correio de Comunicação.
A cena é clássica: o pai está dando um sermão sobre virtudes para o filho. Fala da importância de ser honesto, corajoso, verdadeiro. No meio da preleção, o telefone toca. E ele não pensa duas vezes:
- Diz que não estou, grita diante do filho confuso.
Protagoniza, assim, outro clássico: o faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.
É desta forma que tem se comportado o Governo em relação aos cartões de crédito.
Na minha passagem pelo Senado Federal fui diversas vezes ao então presidente do Banco Central, o banqueiro Henrique Meirelles, cobrar a redução dos juros praticados pelas operadoras.
Em uma ocasião, entreguei pessoalmente ao então presidente Lula uma proposta para controlar as taxas dos cartões. Informal, ele chamou o ministro Guido Mantega que estava por ali e comentou na minha frente:
- Olha Mantega, é sobre aquele assunto que já falamos, os juros dos cartões de crédito.
Saí de lá, inocentemente, convencido de que pelo menos um passo seria dado em relação a moralidade nas transações das operadoras.
Mas o que fez, efetivamente, o governo?
Dois anos depois do encontro com Lula chega as minhas mãos uma fatura do Hipercard, revelando a resposta: nada. No documento, a operadora admite sem medo de ser feliz que cobra 607,23% de juros anuais de seus clientes.
São números que não encontram respaldo em uma economia estável. São taxas que desmentem o esforço que o Governo diz estar fazendo para aliviar o bolso dos brasileiros. E lançam dúvidas sobre a seriedade das relações com as multibilionárias operadoras de cartões.
Em relação aos cartões, o Governo faz igual ao pai do sermão.
Manda dizer: "eu não estou.
Não está punindo o assalto a mão armada das operadoras.
Não está enquadrando este crime econômico.
Não está protegendo os brasileiros dessa rapinagem, que não encontra guarita em nenhuma outra parte do mundo.
Estamos em um país sério?
A seriedade só se estabelece quando a nação se comporta de maneira séria e exige que seus cidadãos se comportem de maneira séria.
No momento em que o Governo faz campanha para baixar os juros e permite que uma operadora taxe seus clientes em 600% ao ano, damos de cara infelizmente com a resposta.
Nela, sobressai o eco: Eu não estou.
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