Taperoá, o reino encantado de Ariano Suassuna, a 260 km de João Pessoa, no Sertão do Cariri paraibano, amanheceu triste e silenciosa com a notícia da morte do seu mais ilustre filho. Uma chuvinha fina que caiu pela manhã parecia simbolizar as lágrimas do choro do seu povo. Símbolo de poder, as bandeiras do Brasil, do Estado e do município ficaram a meio pau pelo luto oficial de três dias decretado pelo prefeito Jurandir Gouveia Farias (PSB).
A família inteira de Ariano que ainda reside por aqui, com exceção do seu tio Manoelito, com quem manteve uma sociedade numa fazenda modelo de caprinos, pegou a estrada logo cedo rumo ao Recife para dar o último adeus ao mestre. “Gazeei o velório para não vê-lo morto, porque quero guardar em minha memória a última imagem dele aqui nesta fazenda feliz e sorridente”, disse Manoelito.
Ninguém conviveu mais de perto com Ariano e conhecia mais a alma do poeta do que Manoelito. No alpendre da fazenda Carnaúba, a 8 km do centro de Taperoá, Ariano e Manoelito varavam a madrugada prosando. Como Ariano, Manoelito é um intelectual refinado, mas com divergências no campo da política.
Manoelito, primo que viveu a infância com Ariano |
“Ele gostava do PT e eu nunca vi nada que desse certo com esse partido”, revela. Manoelito tem uma verve irônica e uma língua implacável, daqueles que não levam desaforo para casa. “Ariano se encantou por bode depois de um trabalho que resgatamos aqui, nesta fazenda modelo da caprinocultura, as raças naturais do Nordeste”, explica.
Silenciosa, Taperoá não fez nenhuma homenagem oficial ao seu filho mais ilustre, passando a impressão de que não o reverenciava como devia nem tinha por ele o orgulho que o resto do País esperava. Na Igreja, não houve missa. Nas ruas, nem uma só placa ou faixa foi estendida em sua homenagem.
Balduino Lelis, historiador e amigo de infância de Ariano |
Para o historiador Balduino Lelis, amigo de infância de Ariano, o povo taperoense tem, sim, um forte orgulho do seu filho mais afamado. “Ande nas ruas, converse com o povo e sinta que todos nós estamos muito abatidos”, disse. Mas o orgulho fervoroso destacado por Balduino desfoca um pouco da realidade.
A principal avenida da cidade, que tinha o nome do dramaturgo e escritor, agora se chama Governador Dorgival Tenório Neto. A mudança se deu há dois anos por obra de um vereador da oposição. “A família ficou bastante chateada”, admite Marcos Dantas, procurador da Prefeitura, filho de Marcelo Dantas, primo de Ariano.
Mesmo sem reverenciar Ariano como deveria, Taperoá ganhou fama, na verdade, por nela transcorrer toda a história da peça Auto da Compadecida. Em 2007, Taperoá viveu momentos inesquecíveis que varreram o mundo com as gravações da microssérie A Pedra do Reino, escrita também por Ariano Suassuna.
Igreja da cidade cenográfica da microssérie A Pedra do Reino |
Na época, foi montada uma cidade cenográfica onde foi gravada a história, com a participação de artistas locais e da própria Rede Globo. Durante o período de gravações a cidade foi muito vista por parte da imprensa. Maria Delzenice, 43 anos, hoje cozinheira de um restaurante na cidade, trabalhou como figurante e não esquece as emoções que viveu.
“Eu me senti uma atriz”, diz, com orgulho. Delzenice não conheceu Ariano nem quando ocorreram as gravações. “Ele viveu muito distante daqui. Quando aparecia, era para ficar na fazenda. Por isso, muita gente não teve oportunidade de ficar lado a lado dele”, disse.
Proprietário do restaurante Casa de Pedras, localizado dentro do Parque de Exposições, o comerciante Ibrahim Marcolino Guimarães contou que Ariano já provou do seu tempero, embora nunca tenha aparecido por lá. “Seu primo Manoelito é freguês assíduo e muitas vezes levou para ele (Ariano) na fazenda galinha de capoeira e carne de sol, que adorava”, assinalou.
Ibrahim Marcolino Guimarães, comerciante local e fã de Ariano |
Fã de carteirinha do filho mais ilustre da terra, Marcolino chegou a decorar o seu restaurante com gravuras da Pedra do Reino Encantado numa homenagem ao mestre. Residente na área onde foi filmada a série do Reino Encantado, dona Teresa Cavalcanti Diniz, 85 anos, revela que conheceu Ariano garoto em Taperoá.
“Ele sempre foi um menino muito inteligente, diferenciado, apegado à leitura. Era muito bonito, alto e bem formoso, além de muito educado”, conta. A estória de Taperoá é muito interessante. Segundo historiadores da cidade, foi travada, em 1824, uma grande batalha entre os republicanos da Confederação do Equador, que tentavam uma retirada para o Ceará, e as forças legalistas.
Estas últimas foram as vitoriosas. Deste fato resultou o nome de Batalhão para a localidade, em memória da grande batalha (batalhão) que ali se havia travado. Há, porém, quem queira relacionar o primitivo nome de Batalhão aos choques armados com os remanescentes índios cariris e os primeiros civilizados que penetraram na região e lá se estabeleceram. Em qualquer das hipóteses, a primitiva denominação de Batalhão lembra uma grande peleja.
Magno Martins
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