Farto da corrupção, sem forças para mais suportá-la, tendente à alegoria do último a apagar as luzes do aeroporto, está o povo brasileiro. O inconformismo é ainda mais acentuado quando acompanhado da frustração. O filho, o pai, os casais, quando frustrados, raramente se reconciliam. O padre da pequena paróquia que infirmou seus sermões não é perdoado.
Não podemos perdoar o PT: a esperança que esse partido gerou no povo brasileiro, não apenas na população mais pobre, com sua cantilena de “ética na política”, não o permite. E o mensalão é somente a ponta visível. A corrupção não só grassou como inunda a maioria das instituições públicas nacionais.
Segue-se daí que o STF, conduzido em sua diferença por ministros que seguiram os patronos nomeantes, errou, ao deixar de emitir uma condenação exemplar, provida do poder de espantar e estancar os atos atentatórios ao erário. Certo. Não, errado.
O erro é de metodologia. O direito deve atrair todos os esforços, não dos indivíduos em sua subjetividade, mas dos homens em sua possível objetividade universal, para ser uma ciência. Ainda não o é, como a física, que jamais anuncia uma descoberta sem que os experimentos passem por severos testes de laboratório. No entanto, o direito ancora raízes históricas antiquíssimas no que houve de melhor na produção humana no campo da filosofia e de seu segmento da lógica, desde os gregos e com seu aperfeiçoamento nas dedicadas escolas romanísticas. E uma das principais características do direito: não é um instrumento de transformação da sociedade.
É a ciência que cuida de fazer das normas elaboradas pelos políticos um conjunto harmônico, um todo congruente, um complexo de princípios que se complementam, sem contradições, como se exige das ciências exatas. Seu sentido teleológico não está no descobrimento, mas na concretização do normativo. A ciência do direito trata de aplicar as regras postas pelos legisladores, é dizer, de concretizar o mundo atual e, não, de criar um mundo novo.
Posto isso, não é correta a afirmativa de que, para corrigir os costumes, como foi de hábito em alguns momentos e locais na idade média, os aplicadores do direito, o judiciário, devem punir (à época, enforcar em praça pública sob os aplausos das multidões) os delinquentes que, por alguma razão, se destacavam na consciência popular. A assistência seguia contente para casa. O exemplo fora dado e os crimes jamais eram erradicados.
Os primeiros ministros que foram vencidos no julgamento do mensalão, no capítulo da formação de quadrilha, vincularam-se à interpretação de duas figuras de direito penal: o concurso de pessoas ou de agentes e a formação de quadrilha. Aquela é uma conduta muito bem definida: um crime praticado por mais de uma pessoa, em graus de mesma intensidade (co-autoria) ou diversos (participação).
A minoria dos ministros caminhou por esse entendimento, vencida pela maioria, que considerou que os participantes do mensalão se associaram para a prática de crimes vários e formaram uma quadrilha, tipo penal cuja interpretação não gera a mesma tranquilidade de quando se observa o concurso de pessoas. Note-se que os diversos crimes praticados foram conexos, uniram-se num mecanismo funcional: não ocorreu uma organização voltada a toda sorte de práticas criminosas.
Por uma circunstância de nossa instituição judiciária, a aposentadoria compulsória aos 70 anos, dois dos ministros que haviam firmado convicção pela condenação quanto ao crime de quadrilha foram substituídos por novos, que inverteram o convencimento. Essa circunstância, na ira santa do Ministro Presidente, Joaquim Barbosa, deu azo à maioria circunstancial, formada pela Presidente da República, que nomeou os ministros, senão para absolver, pelo menos para aliviar, submeter os companheiros do mal a pena mais branda. O povo também adota essa percepção e parece muito difícil negá-la.
Entretanto, no uso da razão, não se pode dizer que os novos ministros não poderiam adotar o ponto de vista que convergia à soma aos votos minoritários. É imoral a vassalidade de um ministro do STF à autoridade que o nomeia; mas a nós, povo, jurisdicionados, também não é dado impor a um julgador um determinado e único pensamento. Na maioria dos julgamentos de todos os processos os juízes não convencem, apenas persuadem. O convencimento universal é raro e foi muito bem exposto por Dumas.
“A certeza e a crença plena, que exclui inteiramente a dúvida, é afirmação necessária e universal; isso significa que o homem seguro não imagina a possibilidade de se preferir a afirmação contrária e imagina sua afirmação como devendo impor-se a todos nas mesmas circunstâncias. Em suma, ela é o estado em que temos consciência de pensar a verdade, que é justamente essa coerção universal, essa obrigação mental; a subjetividade desaparece, o homem pensa como inteligência, como homem e não mais como indivíduo. O estado de certeza foi muitas vezes descrito com a ajuda de metáforas, como a luz e a clareza, mas a iluminação da certeza racional traz sua explicação. Ela é repouso e descontração, mesmo que a certeza seja penosa, pois ela acaba com a tensão e com a inquietude da busca e da indecisão. Ele é acompanhado de um sentimento de potência e ao mesmo tempo de aniquilamento, sente-se que a prevenção, a paixão, o capricho individual desapareceram… Na crença racional, a verdade torna-se nossa e tornamo-nos a verdade.” (“apud” “Tratado de Argumentação”, Chaim Perelman).
Retomemos, para concluir, o vício metodológico. Não se erradica a corrupção no Brasil pela razão, mas pela vontade. Vontade do povo brasileiro, que jamais teve uma oportunidade tão preciosa para fazer da corrupção e da concussão crimes pesadamente punidos, hediondos e imprescritíveis. Nossa vontade se faz por meio do Parlamento, numa democracia representativa; mas, como não confiamos nesse Parlamento e nesse governo, é-nos dado agir, nos termos da Constituição da República, por meio de uma lei de iniciativa popular. Seu destino será vitorioso, assim como o da lei da ficha limpa.
Amadeu Garrido de Paula é advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho e fundador da Garrido de Paula Advocacia.
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