Esta semana, policiais e sem-teto se enfrentaram durante a desocupação de um prédio no Centro da cidade de São Paulo.
Esta semana, policiais e sem-teto se enfrentaram durante a desocupação de um prédio no Centro da cidade de São Paulo. Os repórteres do Fantástico mostram o dia a dia das famílias que vivem nesses edifícios abandonados. E eles localizaram os personagens de uma cena comovente, no meio da violência da última terça-feira (16).
Terça-feira, conflito na reintegração de posse de um prédio ocupado no Centro de São Paulo. A construção do Edifício Aquarius, que seria um hotel, foi abandonada há dez anos. Sem uso, o prédio foi invadido, em março deste ano, por um dos movimentos de sem-teto que atuam na cidade: a Frente de Luta por Moradia, FLM. Duzentas famílias passaram a morar nos 20 andares, de acordo com o grupo.
A empresa que é dona do edifício pediu à Justiça a reintegração de posse. Foram feitas duas tentativas, em julho e agosto, que não deram certo. A terceira foi nesta semana. No meio do confronto, uma imagem chamou a atenção. Gustavo Henrique Rodrigues Silva, de 10 anos, morava com o pai no Edifício Aquarius.
Gustavo Henrique Rodrigues Silva, de 10 anos: Na hora que eu desci, não dava para ver a escada direito.
Fantástico: Por quê?
Gustavo: Tinha muita bomba de efeito moral. Aí já estava até cinza o ar. Eu comecei a passar mal.
Na confusão, Gustavo se perdeu.
Gustavo: A gente passou por, era um negocinho assim, tipo daqui até aqui, bem pequenininho.
Fantástico: Um espaço pequeno?
Gustavo: Aham. Agente passou, aí meu pai foi tentar passar. Quando ele foi passar, aí eu já não estava mais lá, alguém tinha segurado ele, o meu vizinho disse.
O encontro com o policial aconteceu logo em seguida.
Fantástico: Por que que você abraçou o policial?
Gustavo: Para ele parar de jogar bomba lá dentro. Porque senão ia machucar o meu pai. Ele prometeu que ia parar de jogar bomba lá dentro se eu me acalmasse.
Fantástico: O que é uma bomba de efeito moral?
Gustavo: É uma bomba que você respira e ela dói muito os seus olhos.
No mesmo dia da desocupação, os produtores Robinson Cerântula e Willian Santos entraram, com a polícia, no prédio. “Estava uma barricada quase chegando na altura aqui em cima do portão”, conta um policial.
Lá dentro, uma pilha de cocos, iguais aos que os moradores atiraram na polícia. “Isso daqui mostra bem que eles estavam preparados para enfrentar a gente”, diz o policial.
Segundo a prefeitura de São Paulo, a cidade tem cerca de 90 ocupações ilegais, de prédios e de terrenos. Quarenta delas no Centro, abrigando quatro mil famílias.
“Hoje no município de São Paulo nós temos aproximadamente 230 mil famílias que moram de maneira irregular ou em áreas de risco ou de forma muito vulnerável”, diz José Floriano Marques Neto, secretário municipal de habitação.
A prefeitura planeja transformar ao menos parte dos prédios ocupados no Centro em habitações populares.
“Nós já desapropriamos vários deles. Já adquirimos cinco prédios e devemos, até o fim do ano, adquirir mais dois prédios. E durante o ano que vem também a nossa política continua em adquirir prédios, desapropriar prédios e aproveitá-los para habitação social”, destaca o secretário de habitação.
Enquanto uma solução oficial não chega, quem vivia no Edifício Aquarius ocupa agora outro prédio no Centro. O Fantástico entra em um prédio invadido e mostra como as pessoas vivem lá dentro.
Fantástico: Quantas pessoas vivem nesse prédio hoje?
Maria Silva, coordenadora da ocupação: A gente costuma contar por famílias, na faixa de duzentas e poucas.
Fantástico: Essas pessoas vêm de onde?
Maria Silva: São pessoas que estão na necessidade por moradia. Têm emprego, mas ganham salário mínimo. Pouca coisa, não têm condição de pagar um aluguel.
Maria Iraci, diarista: Eu faço a minha comida, todos os dias. Aqui é minha cama. Para lavar a louça, eu lavo ali no quintal, em uma bacia. Tá dando para ir vivendo.
Fantástico: A senhora tem profissão?
Maria Iraci: Eu sou diarista.
Fantástico: O senhor mora aqui há quanto tempo?
Florisvaldo dos Santos, vendedor ambulante: Eu vim da outra ocupação para cá, moço.
Fantástico: A desocupação ali da São João?
Florisvaldo dos Santos: Da São João. Eu vivo eu e meu filho.
Fantástico: Quanto o senhor ganha por mês?
Florisvaldo dos Santos: Ah, eu ganho por volta de uns R$ 300. Pagar um aluguel, eu não tenho condições.
A urbanista Raquel Rolnik, até julho passado, era relatora de direitos humanos da ONU para moradia. Ela acredita que São Paulo vive uma emergência na área de habitação.
“Nós tivemos um boom imobiliário na cidade muito acima dos aumentos salariais e da renda das pessoas. E isso também afetou o preço dos alugueis. Então as pessoas que estavam morando de aluguel, inclusive em aluguel de barraco de favela, não estão conseguindo mais pagar esse aluguel”, diz a urbanista Raquel Rolnik.
Sobre a desocupação, ela comenta: “O prédio pode ser devolvido, mas tem formas de fazer a reintegração de posse obedecendo os direitos das pessoas”.
Ainda na terça, o capitão que comandou a reintegração no Centro falou sobre o que aconteceu.
“Da parte da Polícia Militar, dever cumprido. O Adriano, homem Adriano, não me causa gratificação nenhuma tirar pai de família de casa, colocar ele na rua. Só que ele não é uma pessoa, não é um cidadão normal, que trabalha todo dia, ele é um invasor de um domicílio”, explica o capitão Adriano, da Polícia Militar.
“Será que nessas ocupações não tem a presença do crime organizado? Não tem manipulações? Possivelmente, sim. Mas o fato de eles existirem ali, não transforma automaticamente todas as pessoas que estão envolvidas nessa questão em bandidos”, afirma Raquel Rolnik.
O comandante do policiamento da capital diz que a polícia fez diversas negociações para garantir uma ação tranquila.
Coronel Glauco Silva de Carvalho, comandante de policiamento da capital: Já havia um acerto para eles saíssem no mês de julho, eles tiveram 20 dias, isso acordado em reuniões entre a Polícia Militar, o oficial de Justiça e os ocupantes, para que eles saíssem no período de 20 dias.
Fantástico: Houve exagero de alguns policiais na retirada dos moradores?
Coronel Glauco Silva de Carvalho: Não houve exageros. Houve arremesso de grande quantidade de objetos. Houve arremesso de eletrodomésticos, de geladeiras, de fogões. A Polícia Militar agiu na medida para reintegrar a paz.
O comandante também falou sobre o encontro de um policial com o menino Gustavo.
“Essa cena, ela retrata exatamente isso, a dor do policial, a forma como ele se condoeu com a dor daquela criança. E de outro lado a sua incumbência legal que é exatamente a necessidade de fazer que uma decisão judicial fosse cumprida”, ressalta o comandante.
Gustavo, por enquanto, está na casa da mãe, na periferia de São Paulo, enquanto o pai procura outro lugar para viver.
Fantástico: Você passou por uma experiência, você tem 10 anos, difícil, dramática. Você sofreu lá dentro. Você vai voltar a viver com o seu pai em uma invasão?
Gustavo: Vou.
Fantástico: Por quê?
Gustavo: Porque eu amo ele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário