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terça-feira, 23 de junho de 2015

PRESOS COMPRAM BARRACOS NOS PRESÍDIOS

Com maior superlotação prisional do país, PE vive emergência há 5 meses

Situação foi decretada após sucessivas rebeliões com mortos e feridos.
Presos relatam 'inferno'; barracos improvisados valem até R$ 25 mil.

Alexandre Morais e Penélope AraújoDo G1 PE
Detentos ocupam laje de presídio no Complexo do Curado, no Recife (Foto: Marina Barbosa/G1)
Detentos ocupam laje de presídio no Complexo do Curado, no Recife, durante rebelião.(Foto: Marina Barbosa/G1)
Preso sob acusação de roubo, Lucas, 28 anos, passou pouco mais de dois anos no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (Pjallb), que integra o Complexo do Curado, na Zona Oeste do Recife. O conjunto carcerário, que é o maior de Pernambuco, dispõe de 2,1 mil vagas, mas abriga o triplo da capacidade. Lucas foi mantido no local em uma cela com outros 80 homens, sendo obrigado a dormir sentado e utilizar um banheiro imundo. "São 600 homens num pavilhão onde cabem 200. Imagina o inferno", relata ao G1.
São 600 homens num pavilhão onde cabem 200. Imagina o inferno"
Lucas, ex-interno do Complexo do Curado
As condições vivenciadas pelo ex-presidiário se repetem nas outras 20 unidades do estado. Ao todo, há 11 mil vagas para uma população carcerária de 31 mil internos, um índice de superlotação de 183% – o maior do país, segundo levantamento do G1. Após o registro de sucessivas rebeliões no Complexo do Curado, que deixaram mortos e feridos em janeiro passado, o governo estadual decretou emergência no sistema penitenciário. No entanto, quem saiu recentemente dos presídios continua relatando uma rotina de violência e desrespeito à lei.
Assim como Lucas, Marcos também tem 28 anos. Ele foi apreendido pela primeira vez ainda adolescente, aos 15 anos, e acabou passando por várias unidades. Na última vez, esteve na Penitenciária Agroindustrial São João, em Itamaracá, no Grande Recife. "A gente dormia 15, 16 homens em uma cela, tudo encolhido", lembra. Ele saiu da prisão há seis meses, após cumprir pena por assalto e tentativa de homicídio.
À reportagem, Marcos diz que a presença da polícia dentro das unidades é quase inexistente. "Quem manda lá dentro são os chaveiros, e tem de tudo, inclusive droga e arma. Quando eles [os policiais] vêm entrar, já é tarde demais", conta. O ex-detento Pedro, 22 anos, também queixa-se da figura dos chaveiros, que comandam o presídio com o aval dos chefes de segurança, segundo ele.
Marcos diz que dormia encolhido, com mais de 16 internos ocupando uma mesma cela (Foto: Penélope Araújo/G1)Marcos diz que dormia 'encolhido', com mais de 16 internos
ocupando uma mesma cela (Foto: Penélope Araújo/G1)
Pedro, que saiu do Pjallb há cerca de um mês – ele foi preso por associação ao tráfico – acrescenta que o lugar onde o presidiário se acomoda depende das suas condições financeiras. "Se ele [o preso] tem dinheiro, compra um barraco. Quem não tem dinheiro fica no corredor", afirma.
De acordo com o ex-presidiário, os preços dos barracos improvisados no Complexo do Curado variam de R$ 2,5 mil a R$ 25 mil. "No Pjallb, os melhores pavilhões são os G e H. Há celas que chegam a custar R$ 25 mil. O pavilhão O é o pior, onde a gente dorme em pedras, o espaço é só um colchão de solteiro, o suficiente para ficar sentado. Uma pedra custa R$ 1 mil. No pavilhão I, as celas são divididas em barracos, mas são menores, um barraco sai por R$ 2.500."
Pedro ainda destaca que a alimentação servida na unidade é de baixa qualidade e um garrafão de água mineral pode custar R$ 10. "Eu mesmo fazia minha comida, não comia a boia do presídio, não. De 6h, era um pão com manteiga. De meio-dia, uma galinha, mas a gente já viu até as penas dela no meio da refeição", comenta. Assim como Lucas e Marcos, Pedro é um nome fictício. Eles concederam as entrevistas, mas pediram para ter suas identidades preservadas.
Medidas emergenciais
Procurado pelo G1, o secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico, afirma que a Secretaria Executiva de Ressocialização, responsável pela gerência do sistema penitenciário, vem trabalhando para fortalecer a política de assistência às famílias e lembra que Pernambuco implantou o fim da visita vexatória das mulheres, além de reforçar a segurança para evitar fugas.
Em relação à superlotação, Pedro Eurico explica que o atual déficit de aproximadamente 19 mil vagas no sistema carcerário de Pernambuco será reduzido com a conclusão das unidades prisionais de Santa Cruz do Capibaribe e Tacaimbó, no Agreste do estado, além da de Araçoiaba, no Grande Recife, que teve a construção reiniciada. O prazo de entrega do centro de Araçoiaba é de 18 meses.
O gestor ressalta que a Secretaria está analisando a questão jurídica envolvendo o Complexo Prisional de Itaquitinga, na Mata Norte, que está com as obras paralisadas desde 2012. "A construção seria feita via PPP (Parceria Público-Privada), mas infelizmente a empresa faliu. Decretamos intervenção e estamos analisando para retomar o complexo, que prevê 3.300 novas vagas."
Segundo Pedro, os preços dos barracos improvisados no Complexo do Curado variam de R$ 2,5 mil a R$ 25 mil (Foto: Penélope Araújo/G1)
Segundo Pedro, os preços dos barracos improvisados no
Complexo do Curado variam de R$ 2,5 mil a R$ 25 mil
(Foto: Penélope Araújo/G1)
De acordo com Pedro Eurico, o estado ainda vai mudar o sistema de fornecimento de alimentos, criar um mecanismo de combate às torturas e uma comissão para viabilizar um novo código penitenciário estadual – o atual é de 1978. "Até o fim do ano, teremos R$ 6 milhões para fazer o plano de manutenção das unidades existentes e vamos retomar a reforma da Barreto Campelo [penitenciária localizada em Itamaracá, no Grande Recife]."
Eurico diz ainda que negocia com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Ministério da Justiça a implantação de audiências de custódia, que podem reduzir pela metade a quantidade de presos provisórios. Hoje, eles correspondem a 60% da população carcerária do estado. "Agilizando os julgamentos, conseguiríamos reduzir as internações", diz o secretário de Justiça e Direitos Humanos
Processos judiciais
Uma das reivindicações feita pelos detentos durante a série de rebeliões registrada em janeiro no estado era a celeridade na análise dos processos do sistema penitenciário. Para atender à demanda, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) instaurou regime especial na 1ª Vara de Execuções Penais. De acordo com juiz Luiz Rocha, titular da 1ª Vara, oito magistrados e cerca de 50 colaboradores atuam no julgamento das ações envolvendo internos dos três presídios que compõem o Complexo do Curado. O regime tem validade até julho, mas a medida pode ser prorrogada por mais seis meses.

A Defensoria Pública de Pernambuco realizou mutirão no conjunto prisional logo após os motins para avaliar a situação dos presidiários. Atualmente, o grupo atual na Colônia Penal Feminina do Recife e, no começo de julho, deve seguir para o Presídio de Igarassu. O órgão aguarda a nomeação, por parte do governo estadual, de novos 67 defensores aprovados em concurso para ampliar o trabalho nas unidades prisionais.
Famílias de presos do Complexo Prisional do Curado afirmam ver pouca diferença dois meses após tumultos (Foto: Katherine Coutinho / G1)

Maior unidade do estado, Complexo Prisional do Curado tem pouco mais de duas mil vagas, mas abriga o triplo da capacidade (Foto: Katherine Coutinho / G1)

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